Midia News – Entrevista da semana

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Responsável pela Vara de Execuções Penais de Cuiabá, o juiz Geraldo Fernandes Fidelis Neto é um crítico do sistema penitenciário do Estado, onde, segundo ele, a dignidade humana tem sido diariamente violada.

 

Essa foi uma das razões pelas quais ele negou o pedido de “presos ilustres” para a instalação de aparelhos de ar-condicionado no Centro de Custódia de Cuiabá (CCC), onde estão o ex-governador Silval Barbosa e os ex-secretários Pedro Nadaf (Casa Civil) e Marcel de Cursi (Fazenda), além do desembargador Evandro Stábile. O magistrado diz que, se autorizasse ar-condicionado na cadeia, poderia haver rebeliões em outras unidades. “O CCC é um hotel cinco estrelas em comparação com as demais penitenciárias de Mato Grosso”, diz.

 

Conforme ele, os presídios de Mato Grosso estão com déficit de aproximadamente 5 mil vagas, o que torna os ambientes verdadeiros barris de pólvora. “Os detentos estão um em cima do outro. Isso ofende a dignidade da pessoa humana, princípio básico da Constituição Federal”, diz o magistrado. 

 

Na entrevista que deu ao MidiaNews em seu gabinete, nesta semana, o juiz revelou que “a situação está muito pior do que dois anos atrás”. “O governador Pedro Taques já herdou o Estado com dificuldade, com déficit de 4 mil vagas. Porém esse número já subiu para 5 mil. Então, é claro que já poderia ter feito alguma coisa para melhorar isso”, argumentou.

 

MidiaNews – A entrada de celulares, drogas e armas nas penitenciárias também é um preocupação da Vara de Execuções Penais?

 

Geraldo Fidelis – Até dois anos atrás as mulheres que iam visitar seus filhos, maridos, tinham que, ao entrar na penitenciária, fazer o agachamento, isso depois de despidas, totalmente. Os abusos eram graves. Imagina você saber que a sua mãe ou mulher está lá na porta tirando a roupa, fazendo agachamento, sendo constrangida. Há uma portaria que proibiu a revista vexatória em Mato Grosso, graças a Deus! No entanto era necessário comprar um scanner corporal para saber se eventualmente a mulher tem nos seus orifícios alguma droga, celular ou arma. Como o Estado não comprou porque é caro, entram essas coisas na penitenciária. E um telefone na penitenciária é muito mais perigoso de que uma arma, porque a arma é perigosa naquele limite. Já pelo telefone o preso ordena assaltos, sequestros e homicídios aqui fora. Então é importante que o Estado compre o scanner.

 

MidiaNews – Com essa portaria e sem o scanner corporal,  pode-se dizer hoje que estão entrando celulares, drogas e armas à vontade nos presídios?

 

Geraldo Fidelis – O trabalho feito pelos agentes penitenciários é muito eficaz, mas não é absoluta certeza que está sendo evitada a entrada. É fundamental a compra do scanner corporal. É uma situação muito complicada. Até a segurança dos agentes. Diga-se de passagem, nosso sistema só está seguro até hoje pelo trabalho dos agentes. As pessoas não sabem disso: não são mais as polícias que fazem a segurança das penitenciárias. São só os agentes penitenciários. E eles estão segurando com firmeza para evitar rebeliões. Estou aqui há três anos e meio e nunca houve uma rebelião. Toda semana tem uma tentativa de fuga e eles vetam. É túnel, é grade quebrada, eles fazem um trabalho magnífico, com pouca quantidade de servidores e com toda dificuldade.

 

MidiaNews – Devido à greve dos agentes penitenciários por causa do não-pagamento da Revisão Geral Anual (RGA),  o senhor teme uma rebelião nas penitenciárias?

 

Geraldo Fidelis – Eu temo sempre. Mas eu tenho certeza que a firmeza dessa equipe de profissionais aplaca esse meu temor.

 MidiaNews – Por que as autoridades brasileiras não conseguem bloquear o sinal de telefone celular nos presídios?

 

Geraldo Fidelis – Há dois meses eu apresentei, em um encontro de juízes de execução penal em Salvador, uma lei para fazer com que as operadoras sejam obrigadas a fazer a exclusão do sinal das penitenciárias. Porque hoje nós pagarmos impostos para Estado comprar os aparelhos para vetar o sinal. Mas o que acontece é que o sinal do bairro fica ruim e as operadores, para não ter reclamações, colocam uma torre nova para dar mais força pro sinal e quebra esse aparelho que está na penitenciária. É um luta de gato e rato. Então esta lei obriga as operadoras a cortar o sinal dentro dos presídios. É caro, mas elas podem fazer isso. Em Santa Catarina essa lei foi aprovada, mas o Supremo Tribunal Federal entendeu que era inconstitucional. Eu entendo que o direito da maioria é superior ao individual da empresa. É mais significativo evitar esses contatos do que o direito da empresa de operar no bairro todo.

 

MidiaNews – O senhor sempre se mostrou bastante favorável às tornozeleiras eletrônicas. Porém, nos últimos meses, houve muitos casos de presos monitorados praticando crimes, inclusive com reportagens a nível nacional.  As tornozeleiras se tornaram inúteis?

 

Geraldo Fidelis – A tornozeleira é um paliativo. É provisório. Enquanto o Estado não constrói as colônias penais. Eu defendo as colônias penais, não a tornozeleira. Mas melhor a tornozeleira do que sair do regime fechado – como era até outubro de 2014 – e ir para o regime semiaberto sem nenhum controle. Antes não saía em nenhum veículo de comunicação que o cara era reincidente, porque não sabiam. Se nós acabarmos com a tornozeleira agora, vai voltar o que era antes.

 

MidiaNews – Como evitar que estes presos monitorados voltem a cometer crimes?

 

Geraldo Fidelis – O monitoramento precisa ser mais ferrenho. Se pessoa rompe a tornozeleira, ou chega tarde em casa, em 30 segundos o sistema penitenciário fica sabendo disso. Então a Secretaria de Justiça e a Secretaria de Segurança Pública precisam fazer a captura dessa pessoa. Se está tendo alguma falha, é na parte estrutural. Mas é importante ressaltar que, para cada 100 pessoas que saem, 20 voltam a cometer o erro, violam as condições. Mas a sociedade não vê – até por questão de preconceito – que 80 estão trabalhando. Com medo desses 20, a sociedade discrimina os 80, tira a oportunidade deles trabalharem. A Fundação Nova Chance tem um trabalho muito significativo com relação a isso. Todos que saem para o sistema semiaberto são abraçados pela fundação, mas isso tem que ter uma força política muito grande para um abraçamento da sociedade. Há um preconceito. Equivocado, mas há.

 

MidiaNews – Na primeira reincidência do preso monitorado, ele perde o direito à tornozeleira?

 

Geraldo Fidelis – Cada caso é um caso. Houve uma situação de uma pessoa que saiu para comprar remédio para o filho à noite. Nós buscamos informações e realmente essa pessoa saiu de casa, foi até a farmácia, demorou cinco minutos lá e voltou para casa. Ele foi preso e eu dei uma nova oportunidade. Mas uma pessoa que comete crime perde o direito, com certeza.

 

MidiaNews – As tornozeleiras ao menos serviram para desafogar o sistema prisional?

 

Geraldo Fidelis – Não. Tem pessoas que falam que elas servem como vagas. Não, pra mim elas são um paliativo pelo Estado não ter colônias penais. Só uso tornozeleira em quem vai para o regime semiaberto. Já as outras varas, não sei.

 

MidiaNews – E as audiências de custódia contribuem para reduzir a superlotação?

 

Geraldo Fidelis – Eu acho que existe uma falta de conhecimento muito grande sobre as audiências de custódia. Elas não são para libertar ninguém, nem para prender ninguém, apenas verificam a legalidade da prisão, conforme o processo penal.

 

MidiaNews – Há uma crítica muito grande da sociedade – e até mesmo de servidores da Segurança Pública – de que a Polícia prende a Justiça solta. O que o senhor pensa sobre isso?

Geraldo Fidelis –  As audiência de custódias sempre foram feitas. Mas é que antes elas eram realizadas um, dois meses após a prisão. Agora não, é na hora, no momento do flagrante. Volto a dizer: o juiz apenas verifica a legalidade da prisão. Por exemplo: esses drogaditos que são presos. Cadeia não é para eles, eles têm que ser levados para tratamento de dependência química. Se vai para a cadeia, vai sair de lá pior. Vai chegar lá, vai se batizar numa facção criminosa e, depois que sair, vai cometer crimes muito piores para alimentar seu vício e responder para a facção. Então, diante disso, a custódia faz uma análise até evitando futuros crimes. Eu sou muito favorável a esse instituto, que aqui é muito bem representado pelo juiz Marcos Faleiros, principalmente.

 

MidiaNews – O senhor também é favorável à realização de audiência de custodia para suspeitos de violência contra mulher? Atualmente muitos promotores fazem críticas a essa modalidade.

 

Geraldo Fidelis – Eu não concordo com essa crítica, mas admito que os todos nós juízes precisamos nos capacitar, não que não somos capacitados. Precisamos sempre estarmos estudando todas as áreas. Eu trabalhei durante seis anos nessa na Vara da Violência contra Mulher em Cáceres (234 km de Cuiabá). E uma coisa que eu descobri, durante a passagem lá, é que nós homens e até mulheres somos muitos preconceituosos ao mencionar, por exemplo, que determinada mulher merecia ser agredida. Ninguém merece apanhar. Igual à situação da menina de 16 anos do Rio de Janeiro que foi estuprada por 33 homens. Muitos dizem que isso aconteceu pela forma que ela estava vestida. Falar isso é uma indecência.

  

MidiaNews – O senhor é a favor da emissão de títulos de eleitor para presos com direitos políticos suspensos.  Qual é o objetivo desta medida, se o preso vai continuar proibido de votar?

 

Geraldo Fidelis – Algumas pessoas que são presas têm o direito de votar suspenso, mas mantêm o título. Porém,  muitas dessas pessoas nunca tiveram documentos, e quando ganham liberdade, não conseguem tirar o título porque a lei

Eu digo que o CCC é um hotel cinco estrelas em comparação com as demais penitenciárias de Mato Grosso.

não permite. Com isso, essas pessoas não conseguem trabalhar, estudar. Eu pedi para o Tribunal Regional Eleitoral (TRE) encaminhar uma mensagem a Brasília para buscar um projeto nesse sentido, garantir o direito ao número do título, não para votar. Porque é um paradoxo muito grande:  as pessoas que saíram da prisão querem trabalhar e o governo fala que não pode porque elas não podem retirar o título. Minha proposta é só que eles tenham o número do titulo do eleitor, não o direito de votar. Não tem como recuperar pessoa, dentro ou fora da cadeia, sem trabalho ou sem educação. Ou então impeça que os órgãos, escolas, faculdades, escolas exijam título de eleitor.

 

MidiaNews – Um dos graves problemas que atingiram as penitenciárias nos últimos anos foi a tuberculose em presos. Como está esta epidemia atualmente?

 

Geraldo Fidelis – Os últimos cinco meses eu atuei sozinho na 2º Vara Criminal porque o outro juiz foi convocado para o Tribunal de Justiça. Então, isso me impedia de sair daqui para visitar as unidades. Porém, tremeu na PCE, no CRC e no presídio do Capão Grande eu fico sabendo, pelos próprios diretores ou pelos familiares dos reeducandos. Existe, sim, esse problema nas penitenciárias, mas parece que está tudo sob controle. Mas eu não posso ficar tranquilo com isso, porque eu tenho preocupação de eventual mascaramento.  Essa é uma situação que eu vou ter que analisar com mais frieza, verificar os números. Infelizmente eu não tenho esses números agora. Temos que sempre estar atentos, até porque para disseminar uma situação dessa de dentro da penitenciárias para os bairros é muito fácil.

 

MidiaNews – Como vocês, da Vara de Execuções Penais, se protegem da doença, já que participam de audiências com presos quase que diariamente.

 

Geraldo Fidelis – Já existiu uma colega minha que contraiu tuberculose. Ela era juíza. É muito sério isso, ainda mais no sistema de ar-condicionado do Fórum, que é unificado para todas. Nós passamos o álcool nas mãos sempre que possível. Às vezes utilizamos máscaras, mas não é fácil porque a pessoa que está com essa doença se sente discriminada.

 

MidiaNews – Quantos processos tramitam atualmente na vara?

Geraldo Fidelis – Catorze mil processos. São em maioria de pessoas que estão presas em regime fechado. Os processos estão bem encaminhados, estamos fazendo um trabalho de enxugar os trabalhos e não há reclamação específica.